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Os contos das areias

Era madrugada, sentamo-nos nas dunas e ficamos em silêncio, a observar as diferentes tonalidades que elas adquiriram com o nascer do sol. Ao nosso lado, Paco e Miles tiravam o máximo de proveito a escorregar nas dunas, a fazer sandboard e a tirarem fotografias. De um momento para o outro a conversa surgiu:

- Não consigo deixar este lugar, já estive em vários locais e volto sempre para aqui. - Dizia Ali, fitando o infinito.

- Sim, este lugar tem qualquer coisa de encantador! Mas, não costumas ir às cidades? - Perguntei.

- As cidades tiram-me do sério, perco-me nelas, o barulho, a agitação, as multidões, a falta de sentido… Eu vou quando tenho mesmo que ir, mas evito.

- Acho que te compreendo um bocado, é um pouco caótico o ambiente. Sentimo-nos mais um numa multidão de tantos uns, que no fundo, não deixa de ser.

- Aqui, a vida passa-se com mais calma, já me habituei aos turistas até. Há uns anos atrás não aparecia aqui viva alma. Por um lado é bom que venha gente, muitas das pessoas que aqui vivem, viviam num limiar da pobreza, agora têm os seus próprios negócios. É o meu caso, peguei no meu jipe e comecei a fazer passeios pelas dunas, descobri que as pessoas gostam disso. Sinto-me útil, e sim, esse sentimento de mais um não está mais presente.

- Sim, acredito que tenha sido bom para o desenvolvimento destas localidades, tão afastadas dos grandes polos metropolitanos. Creio que as pessoas, possivelmente as mais aventureiras, venham ver este incrível fenómeno da natureza, ver as gentes e seus costumes, observar estrelas, encontrar paz.

- Foi sim. Mas eu não trocava viver aqui por viver num outro lado qualquer. Nada me tira esta paz… E mesmo em dias mais turbulentos em que vêm as tempestades de areia, mesmo assim… - Dizia Ali com um ligeiro brilho nos olhos, sentia-se feliz naquele lugar.

- Engraçado que tenho o mesmo tipo de sentimento quando estou aqui e quando vou fazer montanhismo. Apesar de serem montanhas diferentes, estas de areia e as outras em pedra, o sentimento é o mesmo. Engraçado que vejo as dunas com um olhar ambíguo… No meu país as dunas situam-se sempre junto ao mar, algo na minha mente, quando olha para esta vastidão pensa sempre que atrás daquela grande montanha de areia vai estar o oceano…

- Atrás daquela grande montanha de areia, estende-se um oceano de outras grandes montanhas de areia, e outras, e outras, rumo ao infinito… - Apontava para o horizonte.


Por Irina Marques

In Viagens, Os contos das areias (Merzouga)


Deserto de Merzouga, Marraquexe.



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