Das histórias
- Irina Marques
- 6 de mar. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de mar. de 2023
Foi assim de repente embora ela já tivesse preparada para tal. As paredes da sua casa tornaram-se brancas novamente, conseguia ouvir os seus ecos de vazio. Passava pelo corredor, quarto, sala e as paredes gritavam que queriam o aconchego, as histórias.
Muitos colecionam fotografias, pensava, eu crio histórias nas paredes da casa, por cada divisória que passo, a recordação de um período, a lembrança e a constante reformulação do pensamento. As narrativas ás quais se agarrava, todos os dias e, todos os dias pensava em novos prismas, novas narrativas, novos ângulos que não tinha visto anteriormente.
Quando colocaram todas as suas obras na carrinha sentiu, está ali a minha vida, ela vai viajar até ao local em que se vai encontrar exposta.
"Cada quadro encerra misteriosamente toda uma vida, com muitos sofrimentos, dúvidas, horas de entusiasmo e de iluminação. Para onde se dirige esta vida? Donde clama a alma angustiada do artista quando participa da criação? Que quer anunciar? «Projectar a luz nas profundidades do coração humano, tal é a vocação do artista», escreveu Schumann. E Tolstói: «Um pintor é um homem que tudo sabe desenhar e pintar»
...
A multidão percorre sala a sala, considerando as telas «bonitas» e «sublimes». Aquele que poderia ter transmitido algo ao seu semelhante nada disse, e quem poderia ter entendido, nada percebeu.
É o que se chama «arte pela arte»
A destruição da sonoridade mais profunda, que é a vida das cores, a dispersão inútil das forças do artista, eis a «arte pela arte».
Wassily Kandinsky
Lembrava-se constantemente destes escritos, de um dos seus pintores favoritos. Ela iria falar sobre as suas obras, não seriam apenas meros objectos ao olhar. Até porque suas obras continham vida, sentimento, dores, frustrações, sentimentos dos quais raramente se fala. Havia toda uma história por trás das artes, embora se fosse deparar com a sua comunicação inquietante, como explicar tudo isto? Faria sentido? Iria ser o mais honesta possível, não possuía discursos pré-formulados, tudo iria sair na hora - como sempre, como sempre foi. Iria ser entrevistada, algo que sempre se sentiu pouco à vontade "Escrever sempre foi mais fácil", gostava pouco de falar sobre a sua vida, mas na escrita, era diferente, iria fazer o seu melhor.
As suas telas e expressão agora iriam ganhar vida num outro espaço, um que a acolheu com carinho, sentia-se feliz, entre música e amigos que iriam dar voz aos seus poemas, interpretação. E pensava, como é que o que produziu durante tantos períodos da sua vida, bons, maus, turbulentos e calmos tinham culminado numa exposição. Há coisas que sonhamos mas nunca pensamos conseguir realmente, tudo ainda parecia fruto da sua imaginação, algo surreal. As suas obras não era "arte pela arte", elas carregavam um forte componente histórica, simbólica e tencionava tentar falar um pouco sobre elas.
Mas a história não acabaria ali, tencionava continuar a expressar como sempre conseguiu, este seria apenas um passo na sua caminhada.
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